Há algum tempo, sites como “Reclame Aqui” e “Consumidor.gov” estão repletos de reclamações de aposentados que começaram a ter descontos em suas aposentadorias por empréstimos ou contratos que não assinaram, o que levou o governo federal a alertar, no mês passado, sobre o que fazer em caso de descontos não autorizados.
O crédito consignado e o cartão de crédito consignado são o terceiro maior motivo para que os paraenses busquem a Diretoria de Proteção e Defesa do Consumidor do Pará (Procon-PA), vinculada à Secretaria de Estado de Justiça (Seju), para reclamações. Somente estas modalidades somaram 1.224 reclamações entre 1º de janeiro e 12 de novembro deste ano, de acordo com a própria instituição.
Essas irregularidades, assim como ligações insistentes oferecendo benefícios, têm feito a classe se organizar contra situações abusivas no Pará. Nesta terça-feira (14), os associados ao Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi-PA) receberão aconselhamento jurídico das 9h às 12h, na sede da entidade, na avenida Governador José Malcher, 661, momento em que uma advogada estará disponível para esclarecimentos quanto a medidas que podem ser tomadas nessas situações.
O diretor-executivo do Sindnapi-PA, Francisco Fernando Ribeiro, diz que a situação tem sido frequente entre beneficiários do Estado. “Lamentavelmente, está acontecendo isso. E acho que é lá mesmo no Ministério da Previdência, porque sabem todas as informações. Você atende o celular e eles têm seu nome, sem ninguém autorizar nada. Não são só bancos, são ligações direto, e a gente orienta que nunca passem nenhum dado, como CPF”, ressalta. A reportagem procurou o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) para saber o número de aposentados com benefícios no Pará, mas não obteve resposta.
Prejuízo
Quanto aos empréstimos cobrados sem autorização, Fernando lamenta que a situação esteja acontecendo também no Pará. “Estão fazendo isso sem autorização, o consignado. Já imaginou ligarem e dizerem ‘olha, seu Fernando, temos aqui R$ 10 mil para o senhor’? A maioria dos aposentados recebe um salário mínimo, como vão pagar? Não vão mais pegar no dinheiro. O salário que eles recebem já é pouco, e depois não tem mais como reverter. A maioria dos associados sustenta a família, são a única renda, e agora não têm dinheiro nem para o remédio, imagina alimentação”, lamenta o representante do Sindnapi-PA.
O aposentado Willem Sanches, de 68 anos, nem sempre recebe sua aposentadoria, devido aos descontos. Ele conta à reportagem que, neste mês, recebeu R$ 103, mas às vezes fica sem nada. “É desconto em cima de desconto, estou há muitos meses sem ver a cor do dinheiro direito e ainda fico devendo”, relata. Segundo Willem, na hora em que falava com a reportagem por telefone, estava a caminho de um banco privado para contestar que havia efetuado o pagamento da parcela de um empréstimo, no valor de R$ 559, mas continuava sendo cobrado.
“O banco fica o tempo todo cobrando coisas indevidas, e para cancelar o cartão eles dizem que tem que pagar R$ 300. Isso é uma bola de neve, eles não querem ver ninguém bem, amanhã vamos ter uma conversa com uma advogada, ver o que ela pode fazer pela gente. Tem outras vezes que cai e eles dizem que o valor não deu para pagar, você não tem argumento, eles sempre estão certos. Mas eu guardo o comprovante. Se não tivesse uma filha para me ajudar, não conseguiria, ela paga todo mês minha luz, faz compras para mim”, comenta o aposentado.
Direitos
As legislações que regulam os descontos em aposentadorias são a lei 14.431/2022 e o artigo 154, VI do decreto 3.048/1999, segundo o advogado previdenciarista Fábio Rocha. O principal direito fundamental do aposentado, diz ele, é a irredutibilidade do benefício previdenciário, salvo autorização expressa do aposentado ou processo administrativo ou judicial, respeitando o direito à ampla defesa.
Na opinião do especialista, a ofensa à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) por parte do INSS é “evidente”. “Um segurado do INSS, quando tem o seu benefício de aposentadoria concedido, de forma imediata, passa a receber inúmeras ligações financeiras do Brasil para oferecer empréstimos consignados. Algumas vezes é necessária a atuação do próprio INSS para liberação dos descontos, o que pode gerar uma corresponsabilidade, que deve ser analisada”, enfatiza.
Aumentar a proteção de dados é uma saída para garantir os direitos dos aposentados em relação a esses descontos, de acordo com Fábio. “Agumas ocorrências estão interligadas a perda dos dados, por vazamento, dos aposentados. A LGPD veio tentar amenizar essa relação. Também é importante o cuidado com os documentos pessoais, bem como cartões e senhas, evitando o uso indevido”.
Como o INSS é a autarquia que gerencia os benefícios de aposentadoria, o advogado diz que, em caso de desconto não autorizado, é importante comunicar o órgão sobre a situação, para que se promova a suspensão deles. Fábio ainda recomenda fazer um Boletim de Ocorrência (BO) para configuração de responsabilidade criminal, caso exista.
Também é possível fazer reclamação formal ao Banco Central no próprio site da instituição, já que a entidade regula as instituições financeiras, podendo gerar multas, suspensões ou até encerramento das atividades; assim como buscar os juizados especiais. “No caso judicial, os juizados permitem o acesso sem advogado: até 40 salários mínimos para a Justiça estadual e 60 salários mínimos na Justiça federal”, explica.
E, para se proteger, ele afirma que os aposentados podem alterar a proteção do sistema Meu INSS/ para padrão “Ouro”, de preferência – não sendo possível, deixar no padrão “Prata”. Dados e documentos não devem ser repassados para desconhecidos, enquanto as informações digitais só podem ser utilizadas em sites conhecidos.
Saiba o que fazer em caso de desconto no benefício:
- Veja qual instituição financeira é responsável pelo contrato, questione a instituição, anote todos os protocolos de atendimento (nome do atendente, dia e hora da ligação).
- Requeira o cancelamento imediato do contrato, a suspensão dos descontos e o estorno da integralidade das parcelas pagas.
- Faça um registro de ocorrência policial, informando que fraudadores estão se utilizando de seu nome e de seus documentos para a realização de contratos de empréstimo consignado fraudulentos.